domingo, 14 de agosto de 2011


E aí eu engravidei. Pari, assim, ao Deus dará. Fujo do espelho pois ele insiste em mostrar um reflexo medíocre de mim. Meu cabelo está caindo, minha bunda está murcha, minha barriga está enorme, minhas cutículas estão horríveis, meus seios estão caídos e cheios de estrias. Não tenho roupas que sirvam, mas ainda assim, as únicas que compro são de crianças. Não tenho dinheiro pra mim, pois a fralda sempre acaba antes da hora marcada no salão. Essa sou eu agora: gorda, flácida, endividada, carente, cansada. Ainda estou procurando o tal glamour de uma gravidez...
Joguei minha liberdade, minha juventude, minha vida no lixo...
E o que sobra pra mim? Um criança chorando no meio da madrugada, me fazendo adivinhar se ela tem fome ou cólicas. Fraldas cagadas e leite vomitado nas minhas roupas (as poucas que me restam). Coluna lascada por carregar uma barriga enorme e agora ter que ficar noites em claro cantando pra um bebê que acorda cada vez que eu ponho no berço.
E pra quê? Pra um bando de fodidos surgirem das profundezas do inferno pra me atormentar... Eu banco a festa inteira, pra outros curtirem...
Eu devo ser uma pessoa mesmo terrível... As mães corujas de plantão que me perdoem, mas eu não posso mais bancar a super-mãe só porque é politicamente correto... Não me sinto mãe. Na verdade, não me sinto nada...
Ontem à noite tentei me matar. Tentei. Mas covarde que sou, me convenci da minha insignificância e fui dormir.

terça-feira, 23 de novembro de 2010



A missão de ser mãe quase sempre começa com alguns meses de muito enjôo, seguido por anseios incontroláveis por comidas estranhas, aumento de peso, dores na coluna, o aprimoramento da arte de arrumar travesseiros preenchendo espaços entre o volume da barriga e o resto da cama.

Ser mãe é não esquecer a emoção do primeiro movimento do bebezinho dentro da barriga.

O instante maravilhoso em que ele se materializou ante os seus olhos, a boquinha sugando o leite, com vontade, e o primeiro sorriso de reconhecimento.

Ser mãe é ficar noites sem dormir, é sofrer com as cólicas do bebê e se angustiar com os choros inexplicáveis: será dor de ouvido, fralda molhada, fome, desejo de colo?

É a inquietação com os resfriados, pânico com a ameaça de pneumonia, coração partido com a tristeza causada pela morte do bichinho de estimação do pequerrucho.

Ser mãe é ajudar o filho a largar a chupeta e a mamadeira. É levá-lo para a escola e segurar suas mãos na hora da vacina.

Ser mãe é se deslumbrar em ver o filho se revelando em suas características únicas, é observar suas descobertas.

Sentir sua mãozinha procurando a proteção da sua, o corpinho se aconchegando debaixo dos cobertores.

É assistir aos avanços, sorrir com as vitórias e ampará-lo nas pequenas derrotas. É ouvir as confidências.

Ser mãe é ler sobre uma tragédia no jornal e se perguntar: E se tivesse sido meu filho?

E ante fotos de crianças famintas, se perguntar se pode haver dor maior do que ver um filho morrer de fome.

Ser mãe é descobrir que se pode amar ainda mais um homem ao vê-lo passar talco, cuidadosamente, no bebê ou ao observá-lo sentado no chão, brincando com o filho.

É se apaixonar de novo pelo marido, mas por razões que antes de ser mãe consideraria muito pouco românticas.

É sentir-se invadir de felicidade ante o milagre que é uma criança dando seus primeiros passos, conseguindo expressar toscamente em palavras seus sentimentos, juntando as letras numa frase.

Ser mãe é se inundar de alegria ao ouvir uma gargalhadinha gostosa, ao ver o filho acertando a bola no gol ou mergulhando corajosamente do trampolim mais alto.

Ser mãe é descobrir que, por mais sofisticada que se possa ser, por mais elegante, um grito aflito de mamãe a faz derrubar o suflê ou o cristal mais fino, sem a menor hesitação.

Ser mãe é descobrir que sua vida tem menos valor depois que chega o bebê.

Que se deseja sacrificar a vida para poupar a do filho, mas ao mesmo tempo deseja viver mais – não para realizar os seus sonhos, mas para ver a criança realizar os dela.

É ouvir o filho falar da primeira namorada, da primeira decepção e quase morrer de apreensão na primeira vez que ele se aventurar ao volante de um carro.

É ficar acordada de noite, imaginando mil coisas, até ouvir o barulho da chave na fechadura da porta e os passos do jovem, ecoando portas adentro do lar.

Finalmente, é se inundar de gratidão por tudo que se recebe e se aprende com o filho, pelo crescimento que ele proporciona, pela alegria profunda que ele dá.

Ser mãe é aguardar o momento de ser avó, para renovar as etapas da emoção, numa dimensão diferente de doçura e entendimento.

É estreitar nos braços o filho do filho e descobrir no rostinho minúsculo, os traços maravilhosos do bem mais precioso que lhe foi confiado ao coração: um Espírito imortal vestido nas carnes de seu filho.

sábado, 16 de outubro de 2010



Só ele conheceu uma mulher corajosa que admitiu todos os medos, todas as neuroses,
todas as inseguranças, toda a parte feia e real que todo mundo quer esconder com chapinhas, peitos falsos, bundas falsas, bebidas, poses, frases de efeito, saltos altos, maquiagem e risadas altas. Ninguém nunca me viu tão nua e transparente como você, ninguém nunca soube do meu medo de nadar em lugares muito profundos, de amar demais, de se perder um pouco de tanto amar, de não ser boa o suficiente.
Só ele viu meu corpo de verdade, minha alma de verdade, meu prazer de verdade,
meu choro baixinho embaixo da coberta com medo de não ser bonita e inteligente.
Só para ele eu me desmontei inteira porque confiei que ele me amaria mesmo eu sendo
desfigurada, intensa e verdadeira, como um quadro do Picasso.

Tati bernardi

sexta-feira, 17 de setembro de 2010



Tenho vontade de perguntar baixinho: você não gosta nem um pouquinho de mim? Nem sequer um tiquinho? Olha só: eu tenho os dedinhos do pé bem estranhos. Eles não são absurdamente merecedores de amor?

terça-feira, 17 de agosto de 2010



Eu quis que ele não soubesse meu nome, depois quis ter o dele logo depois do meu. Eu quis que ninguém soubesse de tamanha traição. Depois quis gritar na janela como o proibido era sopro no meu coração.
Eu quis sentir o poder de abalar com a vida dele. Depois quis que ele voltasse direitinho pra casa e esquecesse que existe a fraqueza.

domingo, 15 de agosto de 2010

O amor é uma doença



Eu não sei guardar coisas. Se eu compro chocolates, como todos no mesmo dia.
Se eu compro balas, chicletes, devoro todos em minutos, compulsivamente.
Detesto saber que algo me espera, quero acabar logo com aquilo.
Não sei lidar com a responsabilidade da felicidade. A felicidade guardada na bolsa ou na vida.
Eu tenho um homem lindo me esperando essa hora, e eu quero com todas as células do meu corpo ir ao encontro dele.
Mas eu não sei lidar com tanta felicidade, por isso estou planejando a morte dele.
Estou planejando matá-lo com minha estupidez, quero que ele morra fulminado pelas minhas armas de boicote.
Quero que ele perceba o quanto sou chata, ciumenta, louca e doente. E que ele enjoe logo da minha cara abatida de intensidade. Que ele pegue logo bode do meu cansaço em viver tanto, porque vivo muito mesmo quando estou deitada olhando para um ponto fixo.
É tão cansativo ser eu mesma com todos os meus medos e neuroses, e quero que ele sinta o fardo do meu peso.
Morra e me liberte dessa alegria incontrolável. Passe desta para uma melhor, porque eu sou um lixo.
Eu lembro daquele conto da Clarice em que a garotinha ruiva guardava os contos para ler depois, porque queria prolongar o mistério da felicidade.
Pois eu quero mais é botar fogo em todos os contos de felicidade que a vida escreve para mim, porque por alguma razão maluca a felicidade me escraviza, me paralisa, me faz ficar triste.
Eu olho para você e tenho tanta, mas tanta alegria em saber que você existe, que sinto ódio. Ódio de eu não mais esperar por você.
O sentido da minha vida era encontrar você. O motivo para eu seguir adiante nos corredores
escuros e bater em portas obscuras, era a sua busca.
Agora que você está sentado numa sala clara e óbvia, não preciso mais me enfiar em buracos.
Mas os buracos eram a única trilha que eu conhecia.
Você me soltou na atmosfera e eu estou voando. E eu sinto saudades do buraco, da espera, da angústia.
Eu sinto falta de olhar triste para o espelho e me sentir metade. Agora que eu tenho você,
nem perco mais meu tempo olhando para o espelho, porque só tenho olhos para você.
Você me roubou de mim mesma. E eu sou tão ciumenta que estou com ciumes de mim.
Você me tirou da minha vida incompleta. E me transformou numa completa idiota.
O amor é uma doença.
Eu sinto náuseas, febres, dores musculares.
Eu acordo assustada no meio da noite. Eu choro à toa.
Eu estava do lado da sujeira, eu era a outra, eu estava por dentro do crime.
Você me fez sentir um mundo limpo, verdadeiro e eterno. E esse mundo é tão novo pra mim,
que eu te odeio. Que eu estou pequena nele, e preciso de você o tempo todo para me abraçar e dizer que está tudo bem.
E quando você não está por perto, eu caio. Porque não sei nada desse mundo de alegrias e coisas bonitas.
Você não me deu saída. Você transformou todas as vozes que me davam escapatórias para outros corredores, em sons sem lábia. Minhas saídas perderam as escadas escuras e charmosas, porque você lavou meu chão de imundícies com amaciante Fofo.
Se eu tentar fugir, escorrego no perfume da minha nova vida.
A nova vida que não sei viver.
A nova vida que quero viver ao seu lado.
Ao lado do homem que eu odeio porque nunca amei tanto.
Ao lado da felicidade que eu odeio porque se ela acabar, não sei mais se consigo voltar pra casa. E nem se quero.
Era eu, entende? Era eu que me atracava com o lado errado da vida para estar sempre certa.
Era eu a resposta para todas as perguntas que ninguém tem coragem de perguntar.
Sim, o mundo é imperfeito, as pessoas traem, o amor não existe, seu marido me come,
seu namorado me come, o mundo quer me comer enquanto você borda seu laço cor-de-rosa.
Agora eu estou aqui, inconformada com o seu passado, querendo matar suas lembranças.
Com ciumes do seu silêncio porque ele está com você há mais tempo do que eu e eu tenho medo do quanto ele te consome, com ciumes do seu sono porque ele te leva do meu foco.
Com raiva da sua importância porque ela me congela, com raiva do tempo que não dura para sempre quando você me olha sabendo das minhas loucuras e ainda assim me amando.
Agora eu estou aqui, querendo que todos os amores do mundo durem para sempre, e que nenês nasçam, e que árvores cresçam e que garotas vagabundas não nos invejem e que os desejos das nossas sombras não nos traia.
Agora eu estou aqui, de quatro, de lingua no chão, te odiando muito, virando a cara, socando você, cuspindo em você, te tratando mal, tudo isso porque não sei lidar com o mundo girando na minha barriga, a tontura do amor, o enjôo do vício em você, a dor do músculo quando me separo.
Pode parecer maluco, mas todas as minhas súplicas para que você desista de mim, é um jeito maluco de pedir que você não desista nunca, pelo amor de Deus.


- Tati Berbardi -

sábado, 3 de julho de 2010


Eles não se entendiam, raramente concordavam em algo, brigavam sempre e se desafiavam todos os dias. Mas apesar das diferenças tinha algo em comum: eram loucos um pelo outro.